Os dicionários são unânimes em relação ao género de interface, mas o mesmo não acontece com os falantes. Na Internet aparece sobretudo no feminino, mas percebe-se a indecisão entre os géneros, ou seja, a palavra levanta dúvidas. No entanto são os dicionários que têm razão: o uso masculino é difícil de justificar.
A palavra interface existe em muitas línguas além do português. A introdução é recente, o uso é sobretudo tecnológico, e espalhou-se por influência do inglês. Resulta de juntar dois elementos de origem latina, inter e face, que existem em português com uso e significado semelhantes aos que têm em inglês. Em inglês interface tem género neutro, e daí resultam sem dúvida as hesitações dos falantes de português. O mesmo acontece em italiano, em que faccia, face, é uma palavra feminina mas interfaccia aparece muitas vezes no masculino, embora as regras de formação deste tipo de palavras sejam semelhantes às do português.
No Oxford English Dictionary (OED) podemos acompanhar o percurso da palavra antes de ter entrado no nosso universo, neste caso a partir do fim do século XIX, altura em que interface surge nas ciências naturais. O OED atesta um primeiro uso no sentido de superfície de separação entre duas substâncias, num manual de hidrostática de 1882, uma aceção que tem sem dúvida relação com um dos sentidos originais da palavra latina facies, o de superfície de um sólido em matemática, que se mantém nas nossas línguas. Terá sido aí que os utilizadores que a lançaram mais recentemente a foram buscar? Terá origens independentes com perto de um século de intervalo? O OED volta a acompanhar a palavra nos anos 60, em contextos em que predomina o uso metafórico; interface aplica-se a organizações, sistemas, disciplinas, e pode significar ligação ou diálogo. Mais recentemente a designação alarga-se a certo tipo de dispositivos de ligação, um sentido que também existe em português; falamos da interface entre o computador e a impressora, apesar de hoje tendermos a usar designações mais específicas: a ficha, a porta, o adaptador.
Foi depois de o sistema operativo da Apple introduzir a interação com o utilizador por meios predominantemente visuais que a palavra quase se colou ao sentido mais intuitivo de face: o de rosto do computador.
Toda esta digressão vem a propósito da face de interface, de perceber se significa mesmo face. Como vimos, o caso não tem analogias com o de claraboia, em que o elemento boia é alheio a artefactos flutuantes. Tudo parece indicar que a face em questão é mesmo face, e nesse caso, seja qual for o sentido preciso de interface, a palavra é feminina por o nome face ser feminino e o elemento de formação inter em português não interferir no género: temos o internacionalismo, mas a interação, por exemplo.
Em resumo, para quem quiser conhecer a conclusão mas não tiver interesse pelos meandros do raciocínio:
Interface é uma palavra feminina porque o mesmo acontece com face, e em português o género não é alterado pela junção do elemento inter.