Em 1920 a Europa vivia num clima de premonições sinistras criado pela escala industrial da Grande Guerra. Foi sobre esse pano de fundo que o dramaturgo checo Karel Čapek escreveu uma peça de teatro em que as máquinas humanoides fabricadas pela empresa Rossum se revoltam contra os criadores humanos e os destroem — a Rossumovi Univerzální Roboti, em português Robôs Universais Rossum. A palavra que designou estas criaturas foi-lhe sugerida pelo irmão, Josef, com base na palavra rabot, servo, servidão, que também está na origem das palavras da família de rabotat, trabalhar em russo.
A palavra robô foi por isso criada com uma intenção ideológica crítica, ou Karel Čapek podia ter recorrido à palavra autómato, que no século XVIII designava os brinquedos mecânicos que fascinavam as elites da Europa.
As criaturas da peça de Čapek estavam mais próximas do que hoje chamaríamos androides, na tradição da ficção científica americana, porque têm aspeto humano, raciocinam e dão réplica aos seres humanos. Mas a palavra robô seguiu o seu destino independente e designou as máquinas sonhadas pelo dramaturgo checo quando as primeiras, muito rudimentares, de facto apareceram, já depois da Segunda Guerra Mundial. Daí vem a palavra robótica, e robô é hoje tão universal que perdeu a conotação exclusivamente negativa inicial: ninguém gosta que lhe chamem robô, mas todos usamos robôs de cozinha.
A propósito de tudo isto, uma questão de ortografia: escrever robô ou robot? A escrita checa tem como base o alfabeto latino, e por isso, como seria de esperar, robô escreve-se robot. Se escrevermos robot num texto em português, estamos a usar uma palavra checa, e não inglesa ou francesa, o que seria recorrer desnecessariamente a uma terceira língua como intermediária. Infelizmente esta simplificação magnífica cria um embaraço. É que o checo declina-se, e tem nada mais nada menos que sete casos, para não falar nos géneros, porque há dois masculinos. Ora o plural dos robôs checos no caso nominativo não é robots — ou antes, nenhum dos plurais é robots, porque há dois. Sendo assim, o melhor é aportuguesar: se escrevermos robots, ou estamos a cometer um erro em checo ou estamos a escrever uma palavra checa em inglês. Além disso, robôs não tem de ir em itálico.
Para não concluirmos de maneira tão árida, lembramos que a peça de Karel Čapek continua interessante. Não encontrámos nenhuma edição em língua portuguesa, nem em Portugal nem no Brasil, mas já foi traduzida porque houve pelo menos uma produção do espetáculo, julgamos que em São Paulo.
Karel Čapek foi um escritor subversivo e independente, e quando os alemães ocuparam Praga levavam instruções para o prender. Isso só não aconteceu porque pouco antes ele morrera, em 1938, mas caso contrário teria quase de certeza acabado num campo de concentração, como Josef, o irmão. Sendo assim, a obra é do domínio público e mesmo não se prevendo um grande êxito seria sem dúvida uma edição interessante em forma digital.
(Agradecemos a tradução do balão da imagem a Renata Hostinska.)
Reunimos uma galeria de imagens interessantes associadas à peça de Karel Čapek no nosso board do Pinterest https://www.pinterest.pt/livrossempapel/rur-de-karel-%C4%8Dapek